Um Olhar Diferente Sob os Clássicos da Literatura: A Letra Encarnada, Nathaniel Hawthorne. Por Gabi Sencades
O livro, lançado em 1850, tem como cenário o ano de 1600, época em que os ingleses, em sua maioria puritanos, se estabeleciam na então colônia inglesa chamada Nova Inglaterra, hoje conhecida como Estados Unidos.
O autor, de família puritana, me impressiona pelo desprendimento de tudo o que sua família representava. Poderíamos considerá-lo a "ovelha negra da família". E, é claro, essas são as melhores. Sua escrita é marcada pelo antipuritanismo.
Hawthorne denunciava a hipocrisia e os maus costumes de uma sociedade tóxica, cheia de costumes e crenças que não eram vividas, mas que comumente utilizavam algumas pessoas como párias, conduzindo-as aos "infernos gelados". Isso, quando não as queimavam de fato! Inclusive, o avô do autor, juiz, queimou "bruxas" em Salém, onde moravam. (Vocês conhecem esses duros julgamentos naquela cidade?)
Os "infernos gelados" seriam o que hoje chamamos de cultura do cancelamento, em que matamos alguém enquanto ainda está vivo. Negamos a pessoa, tornamo-la invisível, não a apoiamos, tratamos com indiferença, desprezamos e negamos seu lugar no grupo, como parte dos seus.
É como se a pessoa já estivesse morta. E, de fato, está, pois matar socialmente alguém produz grande sofrimento e consequências devastadoras na psique dessa pessoa. Ela se torna invisível porque é diferente. É a velha intolerância contra aqueles que não são considerados padrão.
A cultura do cancelamento, um tema tão atual, é mais antiga do que parece. Não importa a época, onde há sociedade, sempre haverá alvos escolhidos para serem "desprezados". Porém, esse desprezo se torna uma fixação sobre a pessoa. Todos ficam magnetizados por ela, ocupando o assunto das fofocas, maledicências e fake news. Claro, tudo "pelas costas", pois, diante da pessoa, deixam-na em completo abandono, a fim de humilhá-la e castigá-la por ser diferente.
Na história, nossa Hester Prynne, personagem principal, tem um bebê ilegítimo, ou seja, fora do casamento. Por isso, ela é considerada criminosa, teve um julgamento público e foi presa. Ao sair, nunca mais foi integrada à sociedade. Viveu como pária, e sua filha foi tida como selvagem, considerada a encarnação do mal. Além disso, Hester foi condenada a usar uma letra bordada em vermelho no peito, indicando o "grave" crime que havia cometido. Cá para nós, ainda bem que ela não revelou quem era o pai da criança.
SPOILER: Se ela tivesse falado que o pai era o jovem padre, teria sido queimada viva como bruxa, aquela que "desvirtuou" um homem "santo"! Com toda certeza.
Trazendo para os tempos atuais, o livro traz uma profunda conexão com o que vivemos hoje, nos tempos digitais.
O pior é que pessoas muito boas, que têm muito a oferecer à sociedade, estão sendo canceladas. O próprio algoritmo faz com que isso aconteça, basta não seguir a mesma "reza" deles. Porém, além do algoritmo, a cada "like" que não se dá, ou a falta de apoio ao trabalho e às ideias de alguém, por mero despeito, inveja ou competitividade, colocamos o outro na invisibilidade.
Não apoiamos nossos colegas, amigos e companheiros. E por quê? Porque eles não estão no "hype"? Porque algum famoso não disse que a pessoa era boa? Porque não se quer se "expor" dizendo que gosta do que a pessoa oferece?
E nos grupos de "zap"? Quando alguém tem posicionamentos lúcidos e ninguém é capaz de apoiar, fingindo "uma neutralidade madura"?
"Sou muito maduro, estou além dessas questões e, por isso, não me envolvo!" Que grande bobagem! Fingir distanciamento não te torna melhor, mais intelectual ou mais maduro que ninguém, só te coloca na posição de covarde. Daquele que tem medo de se expor para não ser criticado, para fingir que se é normal e feliz, mas sabemos que não é assim.
Mas também é possível entender essa pseudo-neutralidade. Faz-se isso pelo medo de ser cancelado. Vamos nos colocando dentro da "massa" a fim de sermos os algozes, aqueles que cancelam, enquanto rezamos escondido para que ninguém resolva nos cancelar. E assim vamos vivendo, sem saber se somos realmente felizes ou não.
Pois negar ao outro o direito de existir, de ocupar seu espaço, de ser aceito do jeito que é, só te coloca no lugar de hipócrita, daquele que aponta o dedo para o outro e não vê seus próprios defeitos. Daquele que exclui e massacra porque tem poder e acha que vai se sentir melhor ao exercer esse poder para diminuir os outros, mas, no fundo, sabe que não é assim.
ADENDO:
EFEITOS NEGATIVOS DA CULTURA DO CANCELAMENTO
Compilado por IA
Comentários
Postar um comentário