Quando Um Bodisatva Te Dá As Costas




Bodisatvas são seres que andam pelo mundo comum, de pessoas comuns, com atitudes e gestos comuns. Para todos, eles se apresentam próximos, abertos, às vezes gentil e, quando necessário, irados também. Porém, apesar da aparências comuns eles são seres extraordinários.

São extraordinários pois já abandonaram ou entenderam que não funciona a lógica operativa do mundo. Que neste mundo de sofrimento, não há espaço para a felicidade e tudo que há é doença, velhice, decrepitude e morte. Porém, eles também entenderam que não precisa ser assim. Eles entenderam que há uma via para sair disso tudo. E, por entender isso, fizeram um voto: se liberar do sofrimento e levar consigo todos os seres.

Um bodisatva carregará todo peso do mundo se assim precisar, ele não abandonará ninguém nunca e, por mais realizado que seja, ele retornará por vidas sem fim, até que o último ser seja liberado. Esse é o voto.

Porém, o bodisatva, a medida que ele entende os processos mentais e todas as raízes do sofrimento, ele também compreende que nem sempre sua presença pode ser pacificadora para os seres. Sua presença pode gerar todo tipo de venenos mentais, pois a confusão mundana é muito grande.

Grandes mestres, recorretemente são alvos de ataques de seres em confusão. Pois, a medida que eles se projetam e lançam sua luz no mundo, as sombras também são reveladas, e, uma vez expostas, projetam, manifestam os seus venenos.

Nesse mundo dual, o bodisatva entende o desafio de caminhar e permanecer firme aos seus votos. Mas, as vezes, é preciso se retirar.

Ele se retira não por que desistiu dos seres, não por que ele está magoado, ou coisa do tipo. Uma pessoa que tem pelo menos a aspiração de ser um bodisatva pode se magoar sim, mas ela entende que isso é uma manifestação completamente ilusória, causada por um ego restrito, pequeno e limitado e que precisa sair o quanto antes disso. Pois é fonte de sofrimento.

Um bodisatva mais realizado não se magoa, pois não há mais ego ali. Ele está completamente livre das armadilhas dos venenos mentais (ciumes, raiva, medo, aquisitividade/desejo, ignorância e todos os seus decorrentes).

E é por isso, que um bodisatva pode ter uma manifestação irada também. Não por que ele sente raiva, mas por que, por ele ser livre, ele se manifestará para aquele ser com o remédio mais adequado no momento. Porém, ele sabe que as leis do Karma são bem densas nesse mundo. E quando ele assume uma atitude irada ele assume o Karma correspondente.

Um exemplo disso, é quando, o Buda Shakyamuni, em uma vida passada, antes de seu despertar como Buda, nasceu como um marinheiro e já com entendimento de bodisatva, viu que alguém tinha a intensão de provocar um assassinato coletivo no navio. Tal bodisatva assumiu o Karma de renascer no inferno e matou o assassino, impedindo que muitos seres inocentes tivessem sido exterminados.

Assim, o bodisatva faz o que tem que ser feito, cortando da própria carne se precisar, pois este é o seu voto, seu compromisso, sua responsabilidade. Ele se responsabiliza por tudo e todos e nunca deixará ninguém para trás.

Mas, as vezes é preciso se distanciar e nesse momento ele te dará as costas. Pois ele entendeu que tudo que ele fizer por você será em vão. E você só se enredará em mais e mais teias de sofrimento. Pois a presença dele te perturba.

Isso por que todo o bodisatva vai lançar luz no que está escondido, no que ninguém quer que os outros vejam. Ele vai retirando máscara por máscara, assim como o faz com ele, vai fazer com todos a sua volta, até não sobrar nada.

Você acha que o ego gostará disso? Claro que não! Pois será desconfortável, dolorido, aniquilador. Nossa missão é a extinção do ego e isso vai doer, pois vamos expor tudo aquilo que queríamos esconder nas sombras. Queríamos deixar quieto e estabelecer uma zona de conforto, porém, tal zona de conforto é ilusória também. E, cedo ou tarde, será fonte de sofrimento.

O bodisatva entende que esse processo de cultivo da sabedoria e compaixão não é facil, é dolorido e muito solitário, ele sabe pois passa ou já passou por isso. Então, por compaixão ele se afasta, ele fecha a porta, mas deixa uma fresta, um pouquinho de luz, para quando aquele ser estiver pronto poder se guiar.

Pois, eles são os grandes faróis que há no mundo. Sua luz se projeta tão fortemente que brilha mesmo depois de sua morte. E eles vão fazer o que for preciso para que ocorra o Despertar, sem medo, sempre avante. São nossos guerreiros da compaixão.

Todas as honras para estes seres, mesmo àqueles aspirantes ainda. Sua presença no mundo torna o Despertar possível. Imensa e eterna gratidão. Seguirei seus passos através dos tempos sem fim. Farei seus votos, vida após vida. Até que não me reste nada, nem a mim, nem a nenhum outro ser. 

E, por isso, mesmo que distante, eu estarei sempre aqui.



Para entender mais: 

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